Parece que as grandes causas do mundo estão virando uma válvula de escape para as nossas próprias mesquinharias.
As pessoas assistem o horror na televisão e correm para a rede social com o intuito de escrever um texto indignado pelas minorias e pelas injustiças ou de fazer um meme contundente pela banalização da morte.
Entretanto, são incapazes de dar uma cesta básica para aquela diarista pobre e afrodescendente que foi abandonada pelo marido. Mesmo que ela esteja sustentando os quatro filhos com o auxílio emergencial, enquanto o trabalho está de quarentena.
Muita gente acha loucura acabar com isolamento, mas é incapaz de mandar uma mensagem para o amigo autônomo e perguntar se ele está bem, se precisa de algo. Então, a diarista conta que não tem comida em casa e a patroa responde que todos estão passando dificuldades.
Ela grita que é contra o tal remédio, mas fica em casa tratando mal familiares e ignorando a dor dos outros. Ou se indigna por ficar em casa, mas não dá a mínima para os parentes e conhecidos que estão doentes. E descobre que o filho da diarista está com a gripe e deseja boa sorte demostrando uma preocupação no discurso vazio de ações.
Se revolta contra a ditadura às avessas, mas logo em seguida trata qualquer pessoa subalterna com o mesmo autoritarismo e arrogância que reprova. É o assédio psicológico e muitas vezes o sensual também, mas na rede social é textão pela democracia.
Há quem condene qualquer intervenção por benefício próprio, mas faz isso o tempo todo. No trabalho, na vizinhança, onde quer que possa ser favorecido ou favorecer em troca de algo. E a meritocracia fica apenas no discurso. Apenas na postagem sem tantas curtidas.
Desperdiçam espaços de expressão para disseminar ódios, mentiras, calúnias, e, muitas vezes, conscientes de que estão espalhando fake news.
Quando não chamam no privado para fazer fofoca mesmo. Entretanto, o textão no perfil é de total indignação contra as notícias falsas.
Então, são convenientes com aquilo que lutam contra, deixando claro que todo esforço não é pelo bem comum, mas para que seus egos arrotem de satisfação a garantia de que têm valor, que seus benefícios sejam mantidos. Não tem a ver com a humanidade.
É um protesto para que suas verdades sejam impostas como um alívio às suas frustrações e a toda maldade que carregam no coração. Em uma tentativa medíocre de preencher o vazio de suas almas com falsas verdades ideológicas.
Então, eles projetam no outro, exatamente tudo aquilo de pior que são. E o mundo, a sociedade vira uma novela mal contada onde os vilões se tornam heróis e os que colocam o coração na causa de um mundo melhor são os inimigos.
E até são, mas daqueles em quem falta caráter.
A realidade se deturpa. Um turbilhão de mentiras confundindo a cabeça de quem só quer ser feliz. De quem valoriza a vida e está realmente interessado no bem comum, mas acaba arrastado pela avalanche de crueldades conscientes de quem deseja ver o caos instaurado sorrateiramente no planeta
E quem é do bem fica com medo de comentar na rede social, para não virar a próxima vítima de quem só veio a esse mundo para odiar.
De quem não entende que textão não substitui a empatia pelo vizinho, pelos familiares.
Que hashtag antifascista e antirracista não substitui o respeito pelos sentimento dos outros, seja quem for.
E meras palavras de apoio não alimentam a diarista e seus filhos.
É preciso parar de usar a rede social como forma de se redimir da própria incapacidade de ajudar o próximo que está logo ao lado. É muito importante entender que as vidas importam, mas vira hipocrisia, demagogia se não somos capazes de ajudar a diarista afro que passa dificuldade de baixo dos nossos olhos.
A gente se ilude com a revolta contra tais policiais americanos para não entender que matamos as pessoas diariamente com nosso desdém, com nosso egoísmo e soberba.
Com os diversos preconceitos que nos habitam e se revelam na indiferença. Na mensagem que não respondemos, nos julgamentos injustos e equivocados que espalhamos.
Eles que devemos quebrar e não as vitrines, porque é destruindo a barreira que nos impede de ajudar o próximo que mudamos o mundo.
Por isso, é necessário, urgentemente, parar de brigar por verdades próprias e passar a lutar pela própria humanidade.
Porque enquanto as nossas convicções nos separam, o respeito é o que verdadeiramente nos aproxima e a real bondade que definitivamente nos salva.
Entendamos, de uma vez por todas, que só acabaremos com o ódio e teremos paz no mundo, o dia em que todos seguirem o belo conselho de Mahatma Gandhi:
“Seja a mudança que deseja ver no mundo”
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